Não sei porque escrevo
Não entendo nenhuma das palavras que caem sobre a folha branca
Não conheço nada do léxico utilizado para passar essa mensagem
Não sou, não entendo e não sei se quero saber nada disso.
Sou um retrato da minha geração indiferente
com relação ao todo e às partes que compõe a obra.
Nem sei mesmo ao que vim e porque me drogo
Dia após dia.
Sinto a angústia
De uma infinita dor sem motivo
de uma depressão sem causa
de um vazio criado por tudo que tenho
O carro que ganhei ao passar no vestibular
O apartamento que ganhei ao me casar
A escola dos meus filhos paga por tê-los tido.
A babá VIP que tenho, o emprego que o amigo do meu pai me deu
A esposa que a família aprovou
A carreira que o pai indicou
Mas o mundo não irá parar
Porque mais um desistiu, nem será erguido nenhum monumento
em memória de mim.
A paisagem continuará imutada até o próximo empreendimento
imobiliário chegar ao lugar.
E esse frio
Sinto um frio que parece se espalhar
Um inverno frio e calmo
Com promessas de um conforto nunca antes sentido
Que não me promete nada
Que não me diz que haverá dias felizes
Encolho-me mais ainda diante das reflexões doentes que me surgem
dessa vontade de nada fazer.
A TV ligada à frente, não diz nada.
Conforto para os entorpecidos.
Na hora de mudar, abrirei um livro.
E colocarei fogo na cidade.
Quem sabe, para aquecer esse frio na alma.
Quem sabe?