Esse enjoo sempre me
visita e me embrulha o estomago. Dá-me tontura e náusea. Só passa depois do
terceiro Dry Martini. Porque sempre que lembro de certas coisas sinto-me como
uma grávida prestes a parir?
Era assim que me
sentia naquela noite de um dia de agosto, quando os meus amigos não mais
aguentavam beber e eu, já, lá pelas últimas. Pensando em ir embora e nenhum
deles resolviam. Não sabia se alguém me acompanharia ou não para rachar o táxi,
já que eu mesmo estava duro, sem um trocado para voltar com alguma dignidade
para casa. Palavra, até certo ponto engraçada, que me vinha à mente de quando
em quando e nada me dizia mais. E, se não fosse pelas tantas vezes que me
percebi sem ela, quem sabe aonde eu teria parado? Essas lembranças dessa
espiral descendente começaram mais ou menos assim...
- Daqui parece tudo
tão pequeno e insignificante. Por que pôr um fim em tudo por causa de motivos
tão pequenos? Eles não merecem o nosso sacrifício. Por quê?
- Pula! Ou perdeu a
tua convicção? A tua fé?
- Mas é isso que me
pergunto. Por causa de que infernos estou pulando, abortando tudo aquilo que
vivi por medo? Ou pelo quê? Sequer sou Cristo, não nasci para isso!
- Covarde! Todos
covardes! Sempre quis saber se existiria algum que não fosse covarde, algum que
não fosse hesitar, qualquer ser que pudesse encarar a verdade presente nesse
momento.
Enquanto ela
continuava a falar, seus olhos verdes brilhavam de encontro às luzes da cidade
naquela noite sem chuva de um céu coberto por estrelas, tendo como música ambiente
alguma canção alegre ao fundo. Abaixo de nossos pés, naquele momento de uma
decisão que era ao mesmo tempo estúpida, espúria e sem garantias, estavam:
gigolôs, prostitutas, travestis, narcotraficantes, traficantes, ambulantes de
porta de boate, vendedores de bebidas adulteradas e toda a dor que trouxe eu e
ela cá pra cima.
Ao fundo a música
alegre e feliz que tocava contrastava com aquele momento de decisões radicais. Quase
achei graça. Nossas vozes não chegavam aos ouvidos do segurança que escutava
seu MP3 no último volume, prestava atenção em alguma outra coisa sendo
transmitida pela TV portátil ou pelo radinho de pilha do companheiro de mais
idade, também surdo para o que ocorria cerca de dezoito andares acima de sua
cabeça.
- Pula! – Dizia ela. –
Se não vai que vá eu para não mais olhar para teu rosto
covarde ao dizer que me amava.
- Eu a amo! – Gritei
eu. – Não sei ao certo ao que isso nos levará... aonde iremos...
- Não me importa aonde
iremos, mas que iremos...
Nossas vozes ecoaram
pelos becos e pátios dos prédios empresariais vazios naquela hora no meio da
madrugada. Os dois vigias escutaram, mas não imaginavam o que estava se
desenrolando. Olharam um para o outro e continuaram o que estavam fazendo. Eu e
ela parados por segundos nos olhando, nos beijamos. A música vinha de uma boate
próxima, um hit pop do momento. Não lembro o que era. Naquele momento dentro da
balada alguém desmaiava no banheiro por overdose. Os seguranças carregaram a
pessoa para a calçada e a deixaram lá. Nenhum amigo por perto. Dois rapazes
ligaram para a emergência. Aquele não seria o dia daquela pessoa. De quem
seria?
O silêncio do momento
era imenso e parecia ter nascido com o mundo e não tinha data para terminar.
Sabíamos que as palavras não bastariam mais para mudar as decisões que estavam
em nossas mentes. Era um silêncio que explicava mais que tudo a minha covardia,
ou deveria dizer coragem?
Eu sabia o que ela
iria fazer e ela sabia o que eu iria fazer e nossos corações encheram-se de um
pesar ancestral, milenar que não nos pertencia e não sabíamos de onde vinha
esse sentimento que não era nosso, por um momento vi a hesitação nos olhos dela
e ela enxergou algo em meus olhos, mas não sabíamos com exatidão o que poderia
significar aquilo tudo e quando não mais importava qualquer coisa. Um homem
magro, com as feições muito rudes e em sua mente pensamentos confusos pensava
apenas em seguir a pessoa que estava na sua frente logo ali perto em um dos
inúmeros becos, sem polícia por perto ele abordou sua vítima que segurou a
bolsa com força ele sacou a arma e a mulher não viu e um carro passava
avançando o sinal vermelho e a música agora era outra na balada e alguém
chegava no hospital com overdose.
Alguns escutaram o
tiro que tirara a vida da mulher que se agarrara a bolsa como a um bote salva-vidas,
os médicos da emergência perguntavam o que o jovem havia tomado e ninguém
escutou o baque surdo da queda de um corpo que caíra do décimo oitavo andar
para permanecer deitado no pátio externo, enquanto um homem descia as escadas
com o mar nos olhos e dois seguranças não o viram sair pela saída de serviço
junto com um entregador de pizza que acabava de deixar uma quatro queijos no décimo
sétimo andar.
A pizza estava boa.
Todos gostaram. Estavam vendo TV. A música alegre era de um comercial.
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