segunda-feira, julho 14, 2014

Saindo da inércia

Não sei porque escrevo
Não entendo nenhuma das palavras que caem sobre a folha branca
Não conheço nada do léxico utilizado para passar essa mensagem
Não sou, não entendo e não sei se quero saber nada disso.

Sou um retrato da minha geração indiferente
com relação ao todo e às partes que compõe a obra.

Nem sei mesmo ao que vim e porque me drogo
Dia após dia.

Sinto a angústia
De uma infinita dor sem motivo
de uma depressão sem causa
de um vazio criado por tudo que tenho

O carro que ganhei ao passar no vestibular
O apartamento que ganhei ao me casar
A escola dos meus filhos paga por tê-los tido.
A babá VIP que tenho, o emprego que o amigo do meu pai me deu
A esposa que a família aprovou
A carreira que o pai indicou

Mas o mundo não irá parar
Porque mais um desistiu, nem será erguido nenhum monumento
em memória de mim.
A paisagem continuará imutada até o próximo empreendimento
imobiliário chegar ao lugar.

E esse frio
Sinto um frio que parece se espalhar
Um inverno frio e calmo
Com promessas de um conforto nunca antes sentido
Que não me promete nada
Que não me diz que haverá dias felizes

Encolho-me mais ainda diante das reflexões doentes que me surgem
dessa vontade de nada fazer.
A TV ligada à frente, não diz nada.
Conforto para os entorpecidos.

Na hora de mudar, abrirei um livro.
E colocarei fogo na cidade.
Quem sabe, para aquecer esse frio na alma.
Quem sabe?

segunda-feira, março 17, 2014

Comédia ou Tragédia

A vida que por uma tênue linha é dividida dos seus outros aspectos
Também separa picadeiro e plateia
No encontro de pessoas muito sérias, outras nem tanto
E lá embaixo, o palhaço no ofício de fazer rir
De fazer rir sem chorar, e quem o faz rir?

A imagem refletida no espelho
Como se a linha que o separou da plateia antes
Agora o separasse em partes dele mesmo
Separando-o de um eu ilusório, mascarado, sempre risonho
Separando o drama da tragédia, o riso e o choro

Toda ilusão de risos provocados pelas suas caras e bocas
Em frente ao espelho, olhando no fundo de seu duplo eu
Ele começa a se despir de toda pintura de guerra
E vagarosamente segue para outro lugar, quem sabe casa

Se há casa, lar, sorrisos e abraços o esperando pouco importa,
Ninguém se importa, quem se importa com o palhaço?
E a porta que se abre desvela na noite da sala mal iluminada
Uma mesa de centro e um copo vazio sobre
Que se destaca, não se sabe ao certo porque

E o olhar cansado se detém por longo instante ali
Sobre aquele copo e nos detalhes que o envolvem
Sem saber se a aflição que sentia era amplificada pelo reflexo
Simbólico que o copo vazio significava
Afligia-lhe o copo vazio ou o vazio do corpo

O vazio do copo como corpo sem substância
Que se encontrava nele irmão em circunstância
Ou como ponto de apoio da sede que desenha sem sua garganta
Despontando no horizonte como raio de sol negro
Escurecendo tudo que o dia mais pudesse lhe trazer?

Quem agora o faria sorrir no ápice de sua tragédia
No ato derradeiro quem o salvaria do copo de veneno
Ou apareceria alguém para dividi-lo, como irmãos ou amantes
Em um pacto de morte.

Processo diário e constante de ascensão e queda
Comédia ou tragédia, Riso ou Choro
Uma bala na cabeça ou mais uma dose de nada
Então pega da garrafa que enche o copo
Liga a TV.
Mais um dia. Menos um dia.

Vida que segue.

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

À espera



Talvez, aquela noite, com o cigarro de canto de boca, rabiscando um guardanapo em cima da mesa, fosse o dia certo para pensar em tudo que passou. O tempo de espera. Saber como era estar há minutos de um acontecimento sem saber se esses minutos se estenderiam por horas de uma angústia que não teria fim enquanto durasse. O copo meio vazio à minha frente tinha as marcas dos meus dedos, um drinque sem gelo, o copo quente e lá, as marcas de meus dedos engordurados, à espera.
À espera de um ato qualquer que mudasse a trajetória dos acontecimentos dos dias idos, semanas, meses, anos atrás. Saberia agora o que sente a senhora, de cotovelos na janela, aguardando seu amado companheiro a voltar da guerra. Sem promessa alguma de que isso se realizaria. Seria muita sorte se no lugar, ganhasse os braços do seu amado e não um saco preto e uma carta com os pesares das forças armadas, enaltecendo o bravo guerreiro que foi. A espera é o inferno.
Estar ali, na curva da esquina sem saber o que vem: Jack, o estripador ou amor da sua vida, uma revolução ou a guerra sem sentido. A espera é estar ali, numa suspensão do próprio devir e do ser, formado até ali. É um não estar e não pisar em parte alguma.
Ah, aquela noite! Aquela noite prometia, como prometia, aguardava, já suado, sofrendo de véspera, poeta do acaso e ocaso sem nada a temer, à não ser a espera, maldita e ininterrupta.
O cigarro acaba. Acendo outro. Peço mais um drinque. E continuo à rabiscar coisas aleatórias no papel. Um número, uns versos, quem sabe um ensaio sobre o que vou dizer. Penso e cogito as possibilidades dessa noite tão agradável aqui, em São Gonçalo. Começo a divagar sobre a beleza do lugar e sobre as cadeiras de madeira dos barzinhos na beira dessa rua. O vai e vêm das pessoas apressadas saindo do metrô. Esse clima de que tudo pode acontecer, sexta-feira, todos celebram! Fim do expediente. A garota sai do prédio com sua habitual roupa de trabalho. Senta com uns amigos e começa a beber bem próximo a minha mesa. Eu à escutar toda a conversa sem muito sentido do seu dia estafante de trabalho, como o Rodrigo ou o Paulo ou o Sérgio ou o Augusto ou o Dr. Castro ou o bosta do Barbosa tinham sido escrotos ao longo da semana.
Mas a espera continua. Mantendo em suspenso qualquer coisa. E os rumos da conversa me desinteressam.
Até a Renata me pedir um fósforo. Nome Renata, sim. A mesma que falava e falava com mais dois amigos e uma amiga na mesa ao lado. Acendi o cigarro da moça e voltei novamente aos meus rabiscos e a minha contemplação. "Obrigada"; "de nada". Seguem-se os rumos e nada acontece.
Não sei se esse vazio que permeia de certa incerteza as conversas cotidianas é algo que me incomoda ou me atrai. Se é um fascínio pelo genuíno ou pelo grotesco do nada em que os comuns são imersos dia após dia.
E a espera, a espera estava ali, áspera, à espera comigo, a noite toda.