terça-feira, dezembro 27, 2011

Em busca


Hoje um corvo branco pousa em minha janela,
uma doninha negra cruza o meu caminho,
os pássaros verdes voam muito longe da minha alcova
e gatos góticos inspiram a mais obscura poesia;
que de nada serve, assim como todos estes versos.

Mentir para escrever e colocar palavras perdidas na folha
de papel em branco e buscar no passado, por obrigação,
a ilusão necessária que dar-me-á a consagração
como poeta maldito entre outros tantos malditos.

Entre almas que colocaram uma bala entre os olhos,
Se embriagaram com o mais acre veneno
Ou deixaram-se encontrar dependurados na sala,
À vista de todos.

Vago em busca da inspiração maldita, da essência
da alma negra e sombria que me disseram estar por aqui,
em algum lugar desse palácio. Busco as bacantes e Baco,
encontrando apenas o cheiro luxurioso dos bacanais.

O vinho me entra, azedo, pelas narinas, mas não me sinto tonto
e nada vejo. Nada é o que vejo e o desespero me toma
por completo, só porque deve ser assim.
Nada do que relato é o que foi.

E o sol batia em minha janela e jazia um dia lindo do lado
de fora do meu umbral. E aqui, nestas terras tropicais,
jaz mais um espírito maldito que não vê em nada
O que não haveria de ver mesmo. Pois nada há.

segunda-feira, novembro 28, 2011

Quem Sabe?

Você me diz alguma coisa inútil.
Alguma coisa perturbadoramente e terrivelmente inútil.
Que nada muda.
E assim seguem-se os dias e as noites e as luas.
Cada um por seu caminho solitário.

Que dizer das estações e do tempo
Enquanto se espera o ônibus chegar?
Acerca de que deuses devemos falar
Ao subir o elevador com aquela música de fundo?

Deixe que as coisas sigam seu caminho.
O caminho delas.
São coisas.
Sim.

E acerca de quem falava antes?
De mim ou de você?
Na verdade nunca sei bem ao certo
Nossos corpos queimaram tão intensamente
Que nada poderia separá-los nessa fusão

Mas eis que nos vemos separados
Unha e carne, sangue e ossos
Fendidos pelo destino arbitrário
Cíclico e contínuo. Espaço e tempo.
Abstrações inúteis.

E aquela última garrafa de vodka?
Acho que devemos deixar para outro dia
Em outra existência.
Quando fizermos tudo diferente.
Não?

Cidade-Sombra

Nessas horas que o mundo morre
e que toda puta e vagabundo vaga
como companheiros meus pelas veredas
dessa cidade-sombra.
Sinto-me mais vivo e pulsante do que nunca
Vago com o orgulho de um fidalgo passeando
Becos fétidos, mijo curtido
Bingas de cigarro por toda parte
A promessa de sexo, álcool e morte
na próxima esquina.

Conheço todos os vermes dessa sarjeta
a mesma sarjeta que ignoras
com os teus nojos burgueses
e seu olhar conservador hipócrita
a puta que te excita e deseja secretamente
que teu pau pudesse penetrá-la
Enquanto me embriago em teu sexo e sorvo
todo o prazer que lhe paguei para ter
sem culpa ou remorso alguns.

Conheço todos os vermes dessa sarjeta
Longe da decadência dos botecos em
que afogo todas as minhas mágoas
para que voltem como mortos-vivos
a me assombrar em noite de Halloween.
Onde teço as mais finas teorias sobre o mundo
E a mais sofisticada filosofia metafísica
A metafísica da dor e da desesperança

Dor de olhar todos os dias para esta horda
de seres sem vontade, vagando por estes
Caminhos de concreto e asfalto sem vida

Desesperança de ser obrigado a viver
Sem vislumbrar um fim para tanto non sense,
um teatro de bizarras apresentações.

Conheço todos os vermes dessa sarjeta
pois eis que são meus iguais.

Não, aqui não é Paris.

E o copo nem chegou na metade.

domingo, outubro 16, 2011

Quando chorar...

E quando chorar é a única saída?
Importa a lágrima caída?
Ou tampouco é sentida?

Dor sentida
Que é (res)sentida
Posto que não havia outra saída.

E quando chorar é a única saída?
Sob a lua e as estrelas
Sobre os lençóis da meretriz

A gueixa que te deixa de mãos vazias
e o amor-capital de uma noite paga
para esconder uma tristeza fria

Te abandona
como breve despedida
e um porto, outra partida

Importa a lágrima caída?
Que se faz surgir entre os beijos dos amantes
Felicidade traída por uma tristeza ímpia

Sobre os lençóis de uma ilusão tardia
O vinho e absinto guiam-nos pelo caminho
em que seria tão pouco sentida?

E quando derramar lágrimas
não é mais saída?
Por que insistiria

E quando chorar... não é mais saída?

Gritos Impossíveis

Meus olhos nada viam
Disseram-me que eu estava só
Que tudo era sonho
e álcool
e sexo
e dinheiro

Tamparam meus olhos
E me disseram: está só!

E pergutaram: que é você?
Quem é você?

Joguei meu nome no Google
Na vã esperança de me encontrar
na Wikipédia. O eu-vocábulo
O eu que era. O que era? Quem era?
Qual era?

Nada.

A voz proferida por não sei quem
Quê?
Ecoou por todos os lados
E meus gritos ecoaram por todos os lados
Todos os lados do meu quarto

Fui para o quintal e gritei
em meio à árvores meio mortas de solidão
e fiz ressoar por sua folhas
e galhos
e troncos
e raízes
o som de todos os meus sonhos

Fui para a rua
Apenas para incomodar os autômatos
caminhantes dentro de suas carroças de ferro e aço
Já era! Havia perdido a sanidade?
As mãos encontraram a face úmida
em desespero
Parado como estátua em plena Presidente Vargas
Esfinge de mistério para os que passavam por ali.

Então, ecos.
Reverberavam pelo mundo os ecos
de milhares de solitários e loucos
Loucos, pois acreditavam em sonhos
e no agora
e na mudança
e no impossível

Outros sotaques, idiomas, gêneros, religiões
O mundo enviava para mim todas aquelas
vozes alquebradas pelo tempo
e pelo esquecimento

Eram meus iguais e suas vozes
repetiam o mesmo que a minha
cada um à sua maneira
cada um entoando o cântico coletivo do impossível.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Fractais

Constante mudança
não podemos dizer: está pronto e acabado.
Não somos nada mais que meros seres em eterno devir,
produtos de uma sopa caótica e um erro de cálculo.

E nos foi dada essa condição de estarmos conscientes
do fardo que nenhum outro ser conhecido carrega.
Este ser sente, sente um eterno vazio. Entre dois grandes vazios
Entre dois grandes nadas!
O grande nada antes existir
Outro depois que deixamos de.

Em dado momento nos pegamos brincando de fazer milagres
com esse espaço minúsculo entre os dois grandes vazios,
com essa migalha de tempo que nos é reservada;
em outros, desonramos toda a história da espécie.
Brindando com demônios, brincando com os piores pecados.

E assim entre as partículas quânticas, vagamos.
Sem outro rumo ao nascer que não a morte
Destino final de todos.
E ainda assim, festejamos a vida diante da morte.

Somos isso: incerteza acima de tudo.
Caos. Metamorfose. Fractais.

Silêncio

Silêncio!
Eis que o tique-taque do relógio
anacrônico quebra o que ocupara o lugar
destruindo a palavra iniciática.

Silêncio!
Eis que o pinga-pinga da torneira mal fechada atravessa o espaço compreendido entre dois pontos: a cozinha e o quarto, só para fazer companhia ao tique-taque irritante do anacrônico relógio de corda.
Lembrança de um tempo pretérito-mais-que-perfeito no qual tudo me fora mais agradável.

E já não sabia mais se a torneira tiquetaqueava e o relógio pingava.
E o copo na minha frente cheio.

Agora, bem... Agora tenho apenas esse copo cheio de absinto e ideias que não consigo botar no papel à meia luz, que esconde papeis amassados, livros empoeirados e um ser embalsamado no esquecimento.

domingo, maio 08, 2011

Kind der Nacht

Quão insuportáveis são estas horas
Longe de ti, de seu toque, do seu olhar
Quão triste me sinto sem este doce ópio
No qual viciei minha mente e meu espírito
O cheiro da sua pele, cabelo, sua simples presença

Forte apatia que invade minha alma
Um medo imenso cresce e cresce
Quase sobrenatural, sobre o que sinto
Longe, tudo me parece pálido
A pele fria, sem vida
Só aquecida pela bebida que desce
Garganta abaixo, devolvendo-me a vida

Doce esperança alimentada pelo lembrar
Insuportável solidão nessa condição
As lágrimas surgem em meus olhos
Caem no abismo vazio a minha frente
Eu fico a olhar todas as luzes pálidas da cidade
Imitações de um brilho muito mais intenso

As lembranças, as sensações e os anseios
Pedaços da minha alma ir-se-ão sem a presença
Desfazendo-me aos poucos, anseio pela unidade
Um suave e agradável sonho que se desfaz na noite
Como a luz que se extingue ao cair da noite
Como o vampiro que vira cinzas por não mais aguentar
Como meu coração esquecido em uma bandeja oferecida.

domingo, abril 24, 2011

Cessar




Morte, mesmo que morto jaz.
Que seja com sabor de felicidade entre os lábios.
A boca cheia de whisky ou cheia do mel que escorre
de entre as pernas voluptuosas de um amor.
Sorvendo o que a vida ávida lhe dá,
antes da temida hora já não mais temida chegar
Que tudo seja súbito sem mais, a já desnecessária, dor.
E no cessar de todo canto de pássaro,
todo perfume das flores,
toda poesia que um dia saiu de sua boca.
No cessar de mais um mundo,
o cessar de mais um sonhador.

sábado, janeiro 15, 2011

Sem razão

Mesmo o sol que torna tudo belo
Não ousava entrar em meu quarto
Onde tudo era breu
Com a alma eclipsada, sem viva alma como companhia
Nem mesmo um corvo apareceu em meu umbral
Lágrimas e versos, quem iria me dizer nunca mais?
Livros empoeirados na estante
Aguardando pelos olhos já cansados, velhos, solitários
Perdidos em um horizonte de esperanças despedaçadas
E na lembrança turvada pelo wiskhy e pela vodka
Não havia mais amores, nunca existiu uma Lenore ou Helena
Quem iria me dizer esqueçais.
Sem corvo, amada ou se quer dor verdadeira,
então, por que sofria noite e dia?