quarta-feira, novembro 06, 2013

Efêmera busca

Pisando em ratos como se fosse um deus cruel
Que, do alto, olha para os seres menores
Desprezando-os e os punindo sem motivo qualquer
Apenas ao bel-prazer, traz dor e desconforto

Assim, vai levando seus sentimentos
Fingindo amar como um carrasco que prepara a lâmina
Afiando-a vagarosamente nos sentimentos alheios
Para lhes arrancar violentamente toda esperança
Sangrando lágrimas deixa suas vítimas ao chão

Demiurgo, criador de nada.
Preenche o vazio, criando vazios
De dor e medo que não sabe quando sararão
Prisão dormente onde não crescem lírios

Dor e lágrimas de feridas não saradas
Fenda na carne que sangra
Estertor mortuário de um corpo que exaure
Suas forças à lutar, adiar a derrota
Mártir, crucificado à sombra em uma cruz

Levando a vida como ídolo dos ímpios
Iconoclasta de sentimentos vãos
Não sabe preencher o próprio vazio.
Busca no espelho que são os olhos alheios

A imagem de si que sorria e diga um dia
Que a brisa que corre por sobre a pele
Naquele dia quente, de frente à praia
Beijou os lírios de sonhos já esquecidos
E que carrega um aroma etéreo de lembranças.

quinta-feira, outubro 10, 2013

Um passado



Andando de ônibus pela cidade
que tanto conheço, seus becos e vielas
botecos e sarjetas, o lugar dos proscritos
Passo diante de uma rua
Que ao meu passado me remete
Saudosista, nostálgico ou idiota, pouco importa
Em que amei, de forma juvenil, uma garota
Que hoje, se quer sei a face que se encontra
Portanto, possa dizer que amei verdadeiramente
e que acreditei, nas escadarias daquela rua
que duas almas poderiam se entrelaçar
para sempre, enquanto durasse.

Desistência

É sempre aquele mesmo ódio preso no peito
uma coisa velha e arcaica que segue contigo
Dia após dia. Mês a mês. Ano após ano.
Sempre o mesmo ódio, sem alvo, pois não há o que odiar.

Sempre aquele mesmo gosto de fel na boca
Tirando o sabor de tudo que entra boca adentro
Do sexo, do álcool que nunca lhe sacia
A briga já perdeu o sabor, violência sem substância

Mesmo que socasse todos os idiotas do bar
Ainda existiria o vazio que sempre está lá
Preenchendo seu interior por completo
Completo de vazio.

Das orações antigas, apenas pó em sua boca
Árvores, crucifixos, santos, espíritos ou meditação
Palavras são vento, assim como as orações
Completo do mais profundo vazio.

Mesmo quando procurou dentro de si
Saciar essa angústia de querer sempre algo
Cortando a própria pele e adentrando em sua carne
As mãos besuntadas de sangue coagulado: vazio.

Olhando para o vazio primordial
o medo lhe percorreu toda a cervical
arrepiando todos os pelos do seu corpo
e o pulo para o vazio definitivo se fez.

07/11/2012

sábado, setembro 14, 2013

Sobre amar

Só consigo amar bêbado.
O amor, por si só, é um tormento
Como poderia suportá-lo sóbrio?
Quem diz ter força para tal, está mentindo!
Ou não ama. Simples.

Quem ama, sente sede, a garganta seca
pedindo por mais um gole que o inebrie
que o encha da lascívia necessária
do pouco de morte que se carrega quando ama
essa sofreguidão que não te deixa respirar

Sufoca e traz em si, morte e vida.
Dor e gozo. Vontade de casa e boemia.
Como pode alguém cogitar ficar sóbrio ante tamanho fardo?
Essa agonia que queima sem parar de dentro pra fora
fazendo o sangue ebulir em formas eróticas

Que entre lençóis se faz em gemidos cálidos
de suplicantes dessa dor que perpassa o corpo e alma
dementes, perdidos, sem querer rumo algum
deixados ao vento da sorte que os leve ao inferno se assim for
para a sublimação dos corpos em êxtase profano

O sacramento sombrio do pacto feito entre dois entes
que se entrelaçam em profusões serpentinas
odiando e adorando, deuses deles mesmos
sem nada que quebre sua fé

Como amar sóbrio se amar é estar bêbado.

Cidadão de Bem

todos os meus amigos de infância
tornaram-se homens de bem
só eu ainda ando pelas ruas como um ébrio
vagando sozinho e pelos becos
trocando ideias com a corja
como os rejeitados que são
não têm família que os acolha
nem braços carinhosos que os afaguem
somente o álcool, a luxúria e a boemia
em longas noites frias

tentar todos os dias ser a mesma coisa insossa
cantar a mesma ladainha todos os dias ao chefe
viver a mesma vida triste por escolha
todo santo dia!
como conseguiria?

como eu queria ter feito um filho
arranjado um trabalho de segunda à sexta
bater cartão, ser sóbrio, ir à igreja
beijar à esposa como um hábito sem importância
quem sabe, ter um carro, enfrentar congestionamento
ter uma gastrite, contas à pagar

quem sabe, ter a filha rainha do baile,
o filho capitão de futebol
a esposa missionária
e eu, ali, vazio de sentido.
cumprindo o mesmo roteiro que os meus amigos escolheram.

sério! eu até me esforcei bastante pra isso
mas não consegui. rezei um terço e me confessei
de nada adiantou, continuei torto.

logo eu dado à exageros
o perdido, o pecador, o lascivo
o desvirtuado, derrotado, perdedor
fracassado, egoísta e blasfemo
de mal com Deus e o Mundo.
admirador de lascivas mulheres
algumas até prostitutas
doente, pervertido e subversivo
como eu, dono de tantas distintas qualidades
poderia ser um cidadão de bem?

como se eu quisesse.

terça-feira, agosto 13, 2013

O poeta e a escrita

A vida toda
Para escrever um poema
Sem poesia alguma
Que faça qualquer sentido
De qualquer maneira, para algum Mané.

Garranchos escritos ou jogados
Para ocupar o tempo na era dos occupy
Invencionando termos
Soltos no papel branco
A folha em branco e a quimera do poeta
Perseguida em flores, deflores, amor e desamores
Defloradas as opções, segue
rabiscando referências perdidas
Esquecidas, subjugadas, preteridas
Em razão de uma vida fluida
Corrida, morrida de morte virtual
Matriz de um protótipo de poeta

Que ainda pensa que sabe poetar.

Repetições cíclicas de uma mente redundante

Como é que se cura a angústia
Do medo do vazio do dia-a-dia
Dado o que é dado todos os dias noticiado

Como é que se cura a ferida
Que não aberta, não pode ser fechada
Que não conhece inicio, menos ainda fim

Como é que se luta
Todo dia na labuta, sob o chicote
Etéreo, do patrão sem face ausente

Como é que sei de algo
Quando algo não é sabido se quer
Sequer ser sabido por ação ou inação

Como é que falo de ação
Quando ação de um cão feroz
Silencia a voz de seus cidadãos

Assim é que sei que a angústia
Do medo vazio do dia-a-noite
Que abre a ferida fantasma
Que dói no lombo que luta na labuta
Que não se sabe se enquanto saber
Se sabe-se dever ou luta
Que apavora a alma do que ama
Fenda do vazio sob o chicote dos amos sem face
Angustiados no mosaico de paixões
Que insistem chamar ação.

Assim é que sei.
Talvez.

quarta-feira, agosto 07, 2013

Gehenna

Gehenna

Como sublimar as tristezas de um mundo decaído
deteriorando em caos e miséria
Abandonado por qualquer entidade possível

Como transcender em meio à fome e a guerra
decaindo em desgraça, profanando à tudo como resistência
Iconoclastia obsessiva diária e constante

Queimando os ídolos que nos acorrentam
Crucificando pastores de ovelhas cegas
Sofrendo em silêncio o luto da própria alma

Observando de becos escuros, que ninguém frequenta
longe dos olhos virgens dos senhores
A fealdade da realidade ignorada encarnada

Um vira-latas entre seus iguais, tantos
caçando os pedigrees, tão poucos
uma massa que ainda dormente, atormenta

Uma torrente de cães acorrentada
surrados diariamente, esgotados de esperança
Comendo os restos, alguns, outros, velhos demais para a luta

Massa de degenerados por sentença de vida
Ergam-se de suas alcovas
cemitérios do gozo e do prazer

Enterremos nossos senhores esta noite.
Todos.

Quimera

Quimera

Em rodopios dionisíacos, descabelar-me
Mesmo não sendo esperado
Amando um simulacro de passado
Ouvindo melodias que não mais possuem razão
Declamando versos que não dizem nada

Assim, dessa forma seguiria uma trilha pela qual
Entre tantas outras, me levaria afinal ao fim
Fim das angústias de não tentar e decepcionar mais uma vez.

Tornando-me bêbado com aquele copo de absinto.
As ideias de sublimação da alma se esvaem
como nuvens de uma chuva de verão.
Inferno da alma esse de amar sem cessar.
Esquecer forçado da vida para seguir.

Quem sabe eu não devesse mesmo gritar aos quatro ventos
Xingar, face a quem odeio, em verdade.
Que não sinto mais nada. Que não ligo. Não me importo.
Desabafar como um adolescente com palavras vazias.

Assim, com lágrimas nos olhos, descabelado
sem sentir nada.

terça-feira, março 12, 2013

Ruído e silêncio



Mundo.
Pessoas.
Luta diária. Morte diária.
Esperança?
Ranço inconteste de uma mente ainda sã.

Fantasma em uma ópera, há muito esquecida.
Percorro os seus corredores assustando pobres ratos.
Nada mais.

Memórias de uma vida, nada mais.
Memórias?

O tiro que é dado no beco ao lado.
O corpo que cai e não é visto senão por mim.
O corpo e sua ausência.
O que causa ausência: o corpo ou as palavras?

O corpo que anda, toca, acaricia, beija e sorri
Ou a voz que silenciada, não mais é escutada
O que causa ausência?

O corpo que luta, levanta bandeira e bate de frente
Ou a voz que discursa, ideologiza e bate de frente
O que causa ausência?

O que causa ruído, o que quebra silêncio?
Ordens sendo quebradas
O poder sendo tomado
O discurso que une milhares
O choro da violência
O tiro que deita o corpo
O verbo que escraviza
O legalizado que é ilegal

O que causa ruído, o que quebra silêncio?
O que causa ausência, corpo ou palavra?