segunda-feira, agosto 13, 2012

Deicida Reincidente

Eu que profano todos os nomes santos
Iconoclasta por nascimento, clamo meu direito
à ser deicida reincidente de todos os deuses
Modernos ou da Antiguidade.

Eu clamo o negro e pífio sangue de judas
como meu antepassado e a sua glória
Dias bárbaros nas escarpas gélidas ou
nos desertosperdidos na memória do mundo.
Diante de altares de sacrífico, vidas jogadas ao nada
ouro e mirra queimados aos quatro ventos
enquanto corações temerosos juntavam as mãos em vã oração

Sol ou neve, cruz ou estouro de bois,
entes mais antigos guiavam as mentes cegas
pregavam sua verdade pelos obscuros tempos em que vivemos
pagãs entidades, agora mortas.
Outras vivas.

Deicida reincidente, glorifico-me no sangue divino
na eterna tarefa de guerrear
contra sombras que nunca existiram.

domingo, maio 06, 2012

Fogo e gelo

Em face da sua face frágil, não fraca
Com os cabelos bagunçados, os olhos marejados
Vejo-me em eterna contemplação
De uma estátua barroca
Entre o fogo e o gelo

Com a face de uma força aparente
E um interior de uma doce fragilidade
Que preciso por vezes me esquecer
E quando acontece, quase a quebro
Vendo cair os cacos por toda parte

Contemplo a face da mais bela imagem
Essa harmônica desarmônica harmonia
Em constante ebulição que me fascina
E me irrita, me beija, e se deita
Lânguida, como as ninfas narradas,
contadas, desejadas

Perdendo-me em seus lençóis , não sei mais
De tempo ou intento do vento que corre
Que percorro em seus mares de doces e perco
Prazeres, por vezes, acres, na maior parte, doces

E assim me inebrio de seus olhares envergonhados
No cadafalso dos prazeres
Para secar suas tristezas, para sorver seus sorrisos
Saciar-me de teu corpo, lograr-te minha escrava e rainha
No caos aparente das quatro paredes.

Em 22 de novembro de 2011.

sexta-feira, maio 04, 2012

Diário de um suicida em potencial

Esse enjoo sempre me visita e me embrulha o estomago. Dá-me tontura e náusea. Só passa depois do terceiro Dry Martini. Porque sempre que lembro de certas coisas sinto-me como uma grávida prestes a parir?
Era assim que me sentia naquela noite de um dia de agosto, quando os meus amigos não mais aguentavam beber e eu, já, lá pelas últimas. Pensando em ir embora e nenhum deles resolviam. Não sabia se alguém me acompanharia ou não para rachar o táxi, já que eu mesmo estava duro, sem um trocado para voltar com alguma dignidade para casa. Palavra, até certo ponto engraçada, que me vinha à mente de quando em quando e nada me dizia mais. E, se não fosse pelas tantas vezes que me percebi sem ela, quem sabe aonde eu teria parado? Essas lembranças dessa espiral descendente começaram mais ou menos assim...
- Daqui parece tudo tão pequeno e insignificante. Por que pôr um fim em tudo por causa de motivos tão pequenos? Eles não merecem o nosso sacrifício. Por quê?
- Pula! Ou perdeu a tua convicção? A tua fé?
- Mas é isso que me pergunto. Por causa de que infernos estou pulando, abortando tudo aquilo que vivi por medo? Ou pelo quê? Sequer sou Cristo, não nasci para isso!
- Covarde! Todos covardes! Sempre quis saber se existiria algum que não fosse covarde, algum que não fosse hesitar, qualquer ser que pudesse encarar a verdade presente nesse momento.
Enquanto ela continuava a falar, seus olhos verdes brilhavam de encontro às luzes da cidade naquela noite sem chuva de um céu coberto por estrelas, tendo como música ambiente alguma canção alegre ao fundo. Abaixo de nossos pés, naquele momento de uma decisão que era ao mesmo tempo estúpida, espúria e sem garantias, estavam: gigolôs, prostitutas, travestis, narcotraficantes, traficantes, ambulantes de porta de boate, vendedores de bebidas adulteradas e toda a dor que trouxe eu e ela cá  pra cima.
Ao fundo a música alegre e feliz que tocava contrastava com aquele momento de decisões radicais. Quase achei graça. Nossas vozes não chegavam aos ouvidos do segurança que escutava seu MP3 no último volume, prestava atenção em alguma outra coisa sendo transmitida pela TV portátil ou pelo radinho de pilha do companheiro de mais idade, também surdo para o que ocorria cerca de dezoito andares acima de sua cabeça.
- Pula! – Dizia ela. – Se não vai que vá eu para não mais olhar para teu rosto covarde ao dizer que me amava.
- Eu a amo! – Gritei eu. – Não sei ao certo ao que isso nos levará... aonde iremos...
- Não me importa aonde iremos, mas que iremos...
Nossas vozes ecoaram pelos becos e pátios dos prédios empresariais vazios naquela hora no meio da madrugada. Os dois vigias escutaram, mas não imaginavam o que estava se desenrolando. Olharam um para o outro e continuaram o que estavam fazendo. Eu e ela parados por segundos nos olhando, nos beijamos. A música vinha de uma boate próxima, um hit pop do momento. Não lembro o que era. Naquele momento dentro da balada alguém desmaiava no banheiro por overdose. Os seguranças carregaram a pessoa para a calçada e a deixaram lá. Nenhum amigo por perto. Dois rapazes ligaram para a emergência. Aquele não seria o dia daquela pessoa. De quem seria?
O silêncio do momento era imenso e parecia ter nascido com o mundo e não tinha data para terminar. Sabíamos que as palavras não bastariam mais para mudar as decisões que estavam em nossas mentes. Era um silêncio que explicava mais que tudo a minha covardia, ou deveria dizer coragem?
Eu sabia o que ela iria fazer e ela sabia o que eu iria fazer e nossos corações encheram-se de um pesar ancestral, milenar que não nos pertencia e não sabíamos de onde vinha esse sentimento que não era nosso, por um momento vi a hesitação nos olhos dela e ela enxergou algo em meus olhos, mas não sabíamos com exatidão o que poderia significar aquilo tudo e quando não mais importava qualquer coisa. Um homem magro, com as feições muito rudes e em sua mente pensamentos confusos pensava apenas em seguir a pessoa que estava na sua frente logo ali perto em um dos inúmeros becos, sem polícia por perto ele abordou sua vítima que segurou a bolsa com força ele sacou a arma e a mulher não viu e um carro passava avançando o sinal vermelho e a música agora era outra na balada e alguém chegava no hospital com overdose.
Alguns escutaram o tiro que tirara a vida da mulher que se agarrara a bolsa como a um bote salva-vidas, os médicos da emergência perguntavam o que o jovem havia tomado e ninguém escutou o baque surdo da queda de um corpo que caíra do décimo oitavo andar para permanecer deitado no pátio externo, enquanto um homem descia as escadas com o mar nos olhos e dois seguranças não o viram sair pela saída de serviço junto com um entregador de pizza que acabava de deixar uma quatro queijos no décimo sétimo andar.
A pizza estava boa. Todos gostaram. Estavam vendo TV. A música alegre era de um comercial.

quarta-feira, abril 25, 2012

Ladeiras, abismos e sonhos


Eu olho a ladeira
e não espero as lembranças passarem.
Lembranças que lembram
o odor do vinho; dois corpos bêbados
que lembram dia de lua cheia.
Corpos em queda pela ribanceira
vertiginosa das noites sem olhos
para julgá-los como amaram naquela noite.
Os mais rotos dos anjos
que de tão tortos,
sequer lembravam alguma coisa.

Quer saber?
Acho que não
eu bem que poderia repetir isso de novo
se ser feliz por mais uma noite
é aquilo, que fique na lembrança
e ter aquilo que sempre quis
quis? quero?

Eu que olho a ladeira:
A Ladeira dos Corpos
A Ladeira-abismo do amor
Corpos em profusão libidinosa
Na espiral descendente
encharcados de vinho

Corpos encharcados de paixões
como dois niños
que não percebem que já se foi o dia
brincando como toda criança brincaria
de faz de contas, vivendo o sonho
que os adultos apenas dardejam ao longe
como ilha deserta no oceano longínquo
o alvo etéreo de seus sonhos

Eu adulto que dardejo meus sonhos por aí,
como anjos tortos de paixão e vinho,
na esperança de acertar a desesperança.

sábado, abril 14, 2012

Como sobrevivemos

Se eu vivesse de comedimento
Estaria morto!
Vivo, pois do vício e do destempero
Do exagero e do êxtase e Lsds
E do álcool, e do sexo casual
Não usual.
E das coisas que queimam tão intensamente quanto.

E vejo mortos, todos os dias
pelas pílulas na hora certa
pelas sessões de choro no divã
pela falta de explosões de raiva diante da ira
Enforcados por gravatas

Como podemos sobreviver à tudo isto?
contra o fluxo natural:
dos bons costumes,
de Deus,
dos nossos pais,
dos amores impossíveis.
à moral e
às imposições: moendas de mentes
Apenas com vinho barato e baratas.
(Únicas testemunhas de noites inteiras).

13/04/2012

terça-feira, abril 10, 2012

Ira

Ó deusa, canto à minha ira!
À ira contra esta realidade medíocre
Cheia de gentis medíocres
Gente que sequer quer!
Que não quer nada
Chafurdados nesta merda que ao bater no queixo
É a única coisa que os fazem andar com a cabeça erguida.

Faz tempo que a cultivo

Ó deusa! Eu canto a minha própria ira!
Pois não conheço a ira de outrem, nem canto glórias passadas
Pois deste charco pútrido não enxergo glória alguma a ser cantada!
E mesmo encharcado de indignação ainda canto
Canto a ode, o soneto e canto o nada
Canto à Lua, às estrelas e às trevas!
Canto à pátria espúria, à bela dama e ao vinho!

Canto para não morrer

Em cada verso, um prolongamento dessa existência
Deusa, diz-me cruel e seco, sem adornos ou meneios de palavras adocicadas:
O que somos?
Mnemósine lembrai-me, lembrai-me daquilo pelo que vivo
Antes que a dor e o pranto levem o que restou
Antes da minha vontade de existir transformar-se em
Uma eterna espera pelo devir.

terça-feira, março 20, 2012

Cidades


 I

Houve um tempo em que me dediquei aos vinis
Pouquíssimo tempo
Essencialmente pós-moderno
Abraço o caos como o Paladino à ordem
Busco no núcleo de todo turbilhão de coisas
A coisa em si, o núcleo duro do Real,
A pulsão de vida, A Vontade primeira.

No caos urbano da cidade me perco e me acho
Andando por seus becos, aliso seu corpo
Na intimidade de dois amantes
Cheiro os seus perfumes e fedores
Em boates no entre-lugar do luxo à sarjeta
Entre o sagrado das catedrais e o profano das ruas
Com seus loucos, mendigos e prostitutas.

Neste mar de cheiros e sensações encontro
o menu que escolherei:
O glamour da zona-sul
com pitadas da marginalidade que a cerca.
Como um igual proscrito, ando em meio à horda
Dividindo o barril de cerveja holandesa
com o menino de rua.

Pegando cigarros emprestados
Dividindo bocas beijadas
Meu corpo se dissolve aos poucos,
se reintegrando ao cosmos.
Para cair mais uma vez,
com asas (nunca dantes tidas) queimadas

Sabor de cinzas, O odor, A desordem
Me alinho e saio em zigue-zague.
Por outros caminhos.
Sempre por outros caminhos.
Imerso nos sons revoltos da noite,
entre sirenes e buzinas impacientes

Como mais um anjo caído:
Caio, salvo na porta de um bar.

II

Vozes conversadas de manhã
Em bares, padarias
Catete.

Por bancas de jornal, jornais
Contando o cotidiano, simulacro do dia anterior:
“- E os bueiros explodindo?”
É dessa porra que eu gosto!
Caótica e hostil!
Entendo e me compadeço do seu
Medo e Receio.

Senhoras à igreja com crianças ainda sonolentas
levadas pelo braço.
Até o largo do machado.
Desapareço.

III

Pela ponte toda, eu durmo.
Sigo reto, sem sentir
que troquei de ônibus no moinho.
Sem ver, cheirar ou sentir.

Cheiro Alcântara.
Gritaria de ambulantes,
entre o consumismo apressado de uma manhã,
que antecede ao almoço sacro, Pré-Fausto;
que não é de Goethe.

E como um protagonista de Romero,
sigo trôpego pelas ruas.
Nesta estranha paz,
que permeia as manhãs de domingo
no meu bairro
e o cheiro de flores,
canto de pássaros.

Nada lembra os odores da noite passada:
os perfumes misturados
com bebidas e cigarro na minha rota roupa,
paralelamente, são as únicas lembranças.

IV

E o porto seguro (quando as pernas não mais aguentam): cama.
Que a promessa de ressaca
Arrependimento não traz
E se o fizesse:
o mandaria as favas!
Ou pra puta que o pariu, mesmo.

Provavelmente, não assistirei ao Silva
Comerei o sacro almoço frio e
com as bênçãos de Hipnos, Morpheu, Ícelo e Fântaso
hibernarei com as lembranças:
As minhas amantes,
As cidades.

segunda-feira, março 19, 2012

Fúria Bárbara


Nasce o bárbaro sentimento
Do sangue que escorre da barba
Encarnado gesto de consumir
A vida de sentir esvair entre os dentes
A tenra carne
Que outrora fora já não é

Bárbaro nasce sem sentimento
Pela caça abatida
Sacia a fome e a sede
Sangue coagula
Aquece o couro curtido
A pedra encontra a faca
Afia, amola, afia...

Sem sentimento nasce o
Bárbaro caçador
Sem dor no peito apenas pêlo
Forjado peito do metálico labor
Febril sinfonia de mil metais
Desenhando ângulos mortais

Sob imortais deuses invisiveis
Segue cego sua fé
Machado sangue e glória

O sentimento definha o bárbaro
O berço de uma fúria rarefeita
Etéreo gesto de resistir
O Valhalla não é uma promessa
Apenas o mel flor da donzela deflorada
Que jaze sobre cama de peles

Sobre um amor espólio
Ergue sua espada
Deflorara o nunca antes

Parte a fúria bárbara
Sob a luz da alvorada
Tênue luz sobre branco
E carmim coagulado.

domingo, janeiro 08, 2012

Umbral dos Apaixonados

Impassível face marmórea
Curvada em vigília sepulcral
Aguardava ansiosa o beijo não dado
neste umbral fora do tempo
Dor insiste e persiste: penitência
Cafalso do gozo e do prazer
 
Machado do impossível que desce vertical
pondo fim ao encontro de lábios
que nunca ocorreu
Sentença que vem pôr fim
ao mais perene amor
amor perene que nunca floresceu em vida.

Lábios que beijam a face marmórea
em desafio a sentença anunciada
o toque gélido nos lábios
a lembrança de lençóis cúmplices

Ah! Veneno que não mata
Faz sofrer e gritar e rasgar
sem nunca ter fim

Enquanto a taça da qual sorve toda sua amargura
Imóvel e gelada, não retribui o beijo dado

E o líquido que desce como chama draconiana
dando esperança de um fim quente
apenas traz mais dor e rasgar e molhar de lágrimas
amor, não faz mais esperar
Traga consigo a foice
Seja tu o ceifador, rasgue um fim
Ponha fim a essa febre de amor.