domingo, maio 06, 2012

Fogo e gelo

Em face da sua face frágil, não fraca
Com os cabelos bagunçados, os olhos marejados
Vejo-me em eterna contemplação
De uma estátua barroca
Entre o fogo e o gelo

Com a face de uma força aparente
E um interior de uma doce fragilidade
Que preciso por vezes me esquecer
E quando acontece, quase a quebro
Vendo cair os cacos por toda parte

Contemplo a face da mais bela imagem
Essa harmônica desarmônica harmonia
Em constante ebulição que me fascina
E me irrita, me beija, e se deita
Lânguida, como as ninfas narradas,
contadas, desejadas

Perdendo-me em seus lençóis , não sei mais
De tempo ou intento do vento que corre
Que percorro em seus mares de doces e perco
Prazeres, por vezes, acres, na maior parte, doces

E assim me inebrio de seus olhares envergonhados
No cadafalso dos prazeres
Para secar suas tristezas, para sorver seus sorrisos
Saciar-me de teu corpo, lograr-te minha escrava e rainha
No caos aparente das quatro paredes.

Em 22 de novembro de 2011.

sexta-feira, maio 04, 2012

Diário de um suicida em potencial

Esse enjoo sempre me visita e me embrulha o estomago. Dá-me tontura e náusea. Só passa depois do terceiro Dry Martini. Porque sempre que lembro de certas coisas sinto-me como uma grávida prestes a parir?
Era assim que me sentia naquela noite de um dia de agosto, quando os meus amigos não mais aguentavam beber e eu, já, lá pelas últimas. Pensando em ir embora e nenhum deles resolviam. Não sabia se alguém me acompanharia ou não para rachar o táxi, já que eu mesmo estava duro, sem um trocado para voltar com alguma dignidade para casa. Palavra, até certo ponto engraçada, que me vinha à mente de quando em quando e nada me dizia mais. E, se não fosse pelas tantas vezes que me percebi sem ela, quem sabe aonde eu teria parado? Essas lembranças dessa espiral descendente começaram mais ou menos assim...
- Daqui parece tudo tão pequeno e insignificante. Por que pôr um fim em tudo por causa de motivos tão pequenos? Eles não merecem o nosso sacrifício. Por quê?
- Pula! Ou perdeu a tua convicção? A tua fé?
- Mas é isso que me pergunto. Por causa de que infernos estou pulando, abortando tudo aquilo que vivi por medo? Ou pelo quê? Sequer sou Cristo, não nasci para isso!
- Covarde! Todos covardes! Sempre quis saber se existiria algum que não fosse covarde, algum que não fosse hesitar, qualquer ser que pudesse encarar a verdade presente nesse momento.
Enquanto ela continuava a falar, seus olhos verdes brilhavam de encontro às luzes da cidade naquela noite sem chuva de um céu coberto por estrelas, tendo como música ambiente alguma canção alegre ao fundo. Abaixo de nossos pés, naquele momento de uma decisão que era ao mesmo tempo estúpida, espúria e sem garantias, estavam: gigolôs, prostitutas, travestis, narcotraficantes, traficantes, ambulantes de porta de boate, vendedores de bebidas adulteradas e toda a dor que trouxe eu e ela cá  pra cima.
Ao fundo a música alegre e feliz que tocava contrastava com aquele momento de decisões radicais. Quase achei graça. Nossas vozes não chegavam aos ouvidos do segurança que escutava seu MP3 no último volume, prestava atenção em alguma outra coisa sendo transmitida pela TV portátil ou pelo radinho de pilha do companheiro de mais idade, também surdo para o que ocorria cerca de dezoito andares acima de sua cabeça.
- Pula! – Dizia ela. – Se não vai que vá eu para não mais olhar para teu rosto covarde ao dizer que me amava.
- Eu a amo! – Gritei eu. – Não sei ao certo ao que isso nos levará... aonde iremos...
- Não me importa aonde iremos, mas que iremos...
Nossas vozes ecoaram pelos becos e pátios dos prédios empresariais vazios naquela hora no meio da madrugada. Os dois vigias escutaram, mas não imaginavam o que estava se desenrolando. Olharam um para o outro e continuaram o que estavam fazendo. Eu e ela parados por segundos nos olhando, nos beijamos. A música vinha de uma boate próxima, um hit pop do momento. Não lembro o que era. Naquele momento dentro da balada alguém desmaiava no banheiro por overdose. Os seguranças carregaram a pessoa para a calçada e a deixaram lá. Nenhum amigo por perto. Dois rapazes ligaram para a emergência. Aquele não seria o dia daquela pessoa. De quem seria?
O silêncio do momento era imenso e parecia ter nascido com o mundo e não tinha data para terminar. Sabíamos que as palavras não bastariam mais para mudar as decisões que estavam em nossas mentes. Era um silêncio que explicava mais que tudo a minha covardia, ou deveria dizer coragem?
Eu sabia o que ela iria fazer e ela sabia o que eu iria fazer e nossos corações encheram-se de um pesar ancestral, milenar que não nos pertencia e não sabíamos de onde vinha esse sentimento que não era nosso, por um momento vi a hesitação nos olhos dela e ela enxergou algo em meus olhos, mas não sabíamos com exatidão o que poderia significar aquilo tudo e quando não mais importava qualquer coisa. Um homem magro, com as feições muito rudes e em sua mente pensamentos confusos pensava apenas em seguir a pessoa que estava na sua frente logo ali perto em um dos inúmeros becos, sem polícia por perto ele abordou sua vítima que segurou a bolsa com força ele sacou a arma e a mulher não viu e um carro passava avançando o sinal vermelho e a música agora era outra na balada e alguém chegava no hospital com overdose.
Alguns escutaram o tiro que tirara a vida da mulher que se agarrara a bolsa como a um bote salva-vidas, os médicos da emergência perguntavam o que o jovem havia tomado e ninguém escutou o baque surdo da queda de um corpo que caíra do décimo oitavo andar para permanecer deitado no pátio externo, enquanto um homem descia as escadas com o mar nos olhos e dois seguranças não o viram sair pela saída de serviço junto com um entregador de pizza que acabava de deixar uma quatro queijos no décimo sétimo andar.
A pizza estava boa. Todos gostaram. Estavam vendo TV. A música alegre era de um comercial.