domingo, junho 21, 2009

O atirador

Eu havia apontado para a cabeça dela um rifle de longo alcance. Ela é louca e deve morrer. Eu também sou louco, mas vou matá-la. Um dia eu também findarei. Talvez eu ainda leve algumas décadas para vir a morrer, mas ela está próxima do fim. Imaginei de mil formas como a cena se desenvolverá, dando um trabalho quase infinito a sua filha para limpar a varanda, as plantas que ela cuidou durante incontáveis primaveras, verões, outonos e invernos. Agora ando pensando em outras mil coisas. Eu já sinto o dedo deslizando pelo gatilho, visualizo o momento exato do êxtase. Daqui a pouco nada dessa discussão fará mais sentido, penso, por quê? Eu nunca havia me perguntado antes isso, mas agora eu me pergunto, por quê? Porque diabos ela deveria morrer por ser louca? Se esse fosse um critério geral a ser seguido pelos atiradores, teríamos muito trabalho com políticos. Prendo o riso, não é momento para isso. Espero. A chuva cai pesadamente pela cidade agitada. Adeus. Olho-a como se fosse a virgem na minha frente, a minha contemplação é somente para ela, eu oro, rogo por suas preces. Vejo a cruz centrar-se bem na presilha do cabelo dela, uma presilha com imitações de brilhantes e que provavelmente deve ter sido comprada por algum impulso do comprar, por comprar. Sua filha sai, dá-lhe um beijo, vejo seus lábios se mexerem, alguma informação que se perde para mim. Gostaria de ler lábios nessas horas, seria bem interessante. Eu sabia que deveria fazer, só não sabia muito bem o porque, mas essas coisas são de fato muito desinteressantes para pessoas com trabalhos parecidos com o meu, por acaso já ouviu falar do atirador que lia Nietzsche? Acho que não meu caro, mas o que importava naquele dia de chuva pesada era a beleza contemplativa daquele momento. Espero que a filha tenha dito que a ama. E agora, finalmente posso te contar: apertei o gatilho e fui embora.

Nenhum comentário: